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Tecnologias de segurança social: proteção ou controle da matriz?

A crescente digitalização da vida social trouxe à tona tecnologias de segurança social que prometem proteger cidadãos, prevenir crimes e responder rapidamente a emergências. Contudo, essas mesmas tecnologias suscitam questionamentos profundos: estariam servindo à proteção legítima ou à vigilância massiva que restringe liberdades, configurando o que muitos chamam de “controle da matriz”?

 

1) Fundamentos técnicos e científicos

  • Monitoramento em tempo real: Tecnologias como reconhecimento facial, algoritmos de análise preditiva e câmeras integradas a sistemas de inteligência artificial (IA) permitem rastrear pessoas e prever comportamentos, como exemplificado em estudos de predição criminal (Perry et al., RAND, 2013).
  • Big Data e Analytics: Sistemas coletam, armazenam e correlacionam dados massivos — geolocalização, transações financeiras, redes sociais —, formando perfis de risco. Isso pode ser útil na segurança pública (ex.: prevenção de ataques), mas também no controle social.
  • IoT (Internet das Coisas): Dispositivos domésticos, carros conectados e smartphones geram dados que, em teoria, podem ser usados para segurança, mas que também permitem rastreamento detalhado da rotina individual.
  • Redes 5G e computação em nuvem: Aceleram o processamento e a transmissão de dados de vigilância, tornando a análise quase instantânea, o que amplia o poder de resposta do Estado — e de empresas.

 

2) Perspectiva filosófica e política

  • Segurança x Liberdade: O filósofo Michel Foucault, em “Vigiar e Punir” (1975), discute como dispositivos de vigilância se transformam em instrumentos de poder, moldando comportamentos sociais e impondo normas.
  • “Sociedade do Controle” de Deleuze: Gilles Deleuze propôs que passamos do modelo disciplinar (prisões, escolas) para o controle difuso e contínuo, em que cada ação é registrada e avaliada.
  • Liberdade vigiada: A promessa de segurança pode legitimar o monitoramento contínuo, transformando a liberdade em mera permissão condicionada ao comportamento “aceitável”.

 

3) Liberdade de expressão e censura algorítmica

  • Redes sociais como arenas de controle: Plataformas que dizem promover a liberdade de expressão utilizam algoritmos que priorizam conteúdos ou silenciam vozes com base em padrões comerciais ou alinhamentos políticos, prática chamada de “shadow banning”.
  • Vigilância privada: Empresas de tecnologia colaboram com governos (vide PRISM, revelado por Edward Snowden) e definem unilateralmente o que pode ou não circular, sem transparência ou devido processo.
  • Chilling effect: O medo de ser monitorado ou punido faz as pessoas se autocensurarem, enfraquecendo a democracia e a pluralidade.

 

4) Desfechos possíveis: entre segurança e distopia

  • Aperfeiçoamento democrático: Se reguladas com base em direitos fundamentais (ex.: GDPR na Europa), tecnologias podem reduzir crimes sem ferir liberdades, preservando o consentimento informado e limitando abusos.
  • Controle autoritário: Em regimes sem contrapesos institucionais, a mesma tecnologia viabiliza perseguições políticas, exclusão social e manipulação de eleições.
  • Normalização da vigilância: Quando a sociedade naturaliza o monitoramento em troca de conveniência e sensação de segurança, cria-se um ambiente de aceitação passiva do controle.
  • Respostas sociais: Movimentos como a luta por criptografia forte, softwares livres e leis de proteção de dados são tentativas de reequilibrar a balança em favor do indivíduo.

 

As tecnologias de segurança social são paradoxais: podem salvar vidas e coibir crimes, mas também restringir liberdades, se transformando em ferramentas de controle da “matriz” social. A decisão entre segurança e liberdade depende do uso ético, da regulação transparente e da vigilância cidadã sobre quem vigia.

 

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