O programa mais médicos e a política pública de recursos humanos em saúde

O programa mais médicos e a política pública de recursos humanos em saúde

De acordo com Dye (1984) política pública é tudo aquilo que o governo escolhe fazer ou não fazer. Assim, busca-se compreender o Programa “Mais Médicos” como parte de uma Política Pública, a de Recursos Humanos em Saúde. Desde que o governo federal o instituiu o Programa Mais Médicos, através da Lei 12.871, em outubro de 2013, que a discussão sobre o acesso da população brasileira a estes serviços ganhou notoriedade na imprensa e abriu uma discussão para um problema que não é novo: a desigualdade na distribuição de médicos entre os municípios brasileiros e a superconcentração de médicos no setor privado.

Não é de hoje que o Conselho Federal de Medicina e os Conselhos Regionais vêm publicando estudos demonstrando estas desigualdades. O Ministério da Educação e Cultura (MEC) é o órgão responsável pela Política de Formação de nível superior dos brasileiros. Pois bem, a desigualdade que se busca solucionar com a importação de médicos de outros países, não irá resolver um problema cuja origem está nas Políticas Públicas de Recursos Humanos em Saúde adotadas pelos sucessivos governos brasileiros.

Para reforçar o argumento de que existe uma antipolítica de interiorização dos médicos basta analisar os dados da distribuição de Programas de Residência Médica no país, que segundo Machado et al (1997) era: Norte (1,1%); Centro Oeste (8,0%), Nordeste (12,0%) Sul (14,3%) e Sudeste (64,6%).

Quinze anos depois, dados do IBGE (2010) revelaram os estados brasileiros com o menor número de médicos por 1000 habitantes: Maranhão (0,59); Amapá (0,76); Pará (0,80); Acre (0,95); Piauí (1,00); Rondônia (1,08); Tocantins (1,09); Amazonas (1,11); Ceará (1,12); Mato Grosso (1,17) e Bahia (1,18). Nestes locais não faltam apenas médicos, mas os dados indicam que regiões menos desenvolvidas e mais pobres têm maior dificuldade para fixar e atrair profissionais médicos. Faltam médicos devido, principalmente, aos baixos salários oferecidos, à precária infraestrutura dos serviços de saúde, a dificuldade de locomoção e a exposição à crescente violência.

Em 2013, o MS publicou estudo junto com a USP e outras universidades – o denominado Projeto Avaliação das Escolas Médicas Brasileiras – que concluiu:

a) as regiões com menores razões habitantes/vagas (maior número de vagas em cursos de Medicina em relação à sua população) são: Sudeste (9.691) e Norte (10.706), enquanto as regiões com as maiores razões habitantes/vagas (menor número de vagas em relação à sua população) são: Centro-Oeste (13.280) e Nordeste (13.942).

b) Ao observar os diferentes valores das razões médicos/1000 habitantes e habitantes/vaga, fica claro que qualquer política de planejamento e regulação de cursos de Medicina tem que levar em conta o número de médicos existentes na região e o número de vagas em cursos de Medicina.

c) Existem estados em que o número de médicos é baixo e o de vagas em cursos de Medicina também.

d) Existem estados em que o número de médicos é baixo e o de vagas em cursos de Medicina é alto, a exemplo de Tocantins.

Trata-se de um estudo minucioso e com o devido rigor metodológico. Caso exista vontade política, ele pode subsidiar as decisões para corrigir as distorções, adotando uma solução verdadeira para o problema, com a criação da Carreira Pública Federal de Médicos e demais Profissionais de Saúde para a Atenção Básica.

Para a mídia e para a população menos informada, o “Mais Médicos” é uma forma de demonstrar o que o governo está fazendo. Subsidiariamente, este Programa, instituído inicialmente através da MP nº. 621 de 08.07.2013, revela o lado pouco democrático do governo e coloca a população contra os médicos, como se fossem eles os responsáveis por tal situação e pela Política de Formação de Recursos Humanos em Saúde.

Uma análise apartidária e desapaixonada indica que o “Mais Médicos” é um paliativo que não vai resolver os problemas da má distribuição dos médicos no país e da falta de uma Política de remuneração e fixação de médicos. Isso decorre do que os governos fazem em relação à Política de Formação de Recursos Humanos em Saúde e principalmente, do que deixam de fazer em relação à Política Pública de provimento, remuneração e fixação de médicos e outros profissionais de saúde.

Fonte: Vera Lúcia Peixoto – * Sanitarista, advogada, Doutora em Administração Pública e Professora de Políticas Públicas da Escola de Administração da UFBA.

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