* por Edgar Jacobs
Uma das maiores especialistas em avaliação institucional que conheço, a Professora Roberta Muriel, sempre diz nos seus cursos de que “a avaliação tem que gerar um significado”. Orientanda brilhante de José Dias Sobrinho, idealizador do Sistema de Avaliação da Educação Superior no Brasil, sempre reafirmava sua lição, no sentido de que: “Avaliação é produção de sentidos, prática social, portanto, intersubjetiva, relacional, aberta, polissêmica e carregada de valores, que põe em questão os significados dos fenômenos”.
O MEC não parece preocupado com isso no caso dos cursos de medicina. Sua avaliação, que até 2023 tentava fazer algum sentido, tende a ser uma análise enfermiça desde que o Supremo Tribunal Federal (STF) garantiu o seguimento de processos de autorização protocolados a partir de ações judiciais.
O STF assegurou esse andamento em parte por conta dos erros da União. No acórdão final do julgamento da ADC nº 81, o Tribunal aponta a omissão da AGU e a moratória de 5 anos implementada pelo Ministério como motivos para preservar as justas expectativas, da sociedade e das Instituições de Ensino, quanto aos novos cursos. Porém, portando-se como mau perdedor, o MEC tenta barrar os cursos na via administrativa.
Com isso, o que deveria ser um processo de avaliação de qualidade passou a ser uma sequencia de ilegalidades voltadas a evitar os efeitos pretendidos pela decisão do STF.
Alguns exemplos claros desse problema são a tentativa de desmarcar visitas in loco no mês de novembro de 2023, a criação de normas e notas técnicas burocráticas em dezembro de 2023 e a revogação ilegal de uma portaria em julho.
As visitas in loco foram desmarcadas por conta de uma regra ilegal na primeira norma criada pelo MEC sob pretexto de regulamentar a decisão do STF. A situação só mudou depois que a Portaria SERES/MEC foi contestada pelo Poder Legislativo e no Supremo Tribunal Federal.
O motivo foi o afastamento sumário de muitas cidades e critérios sem sentido. Diante das contestações o próprio MEC reconheceu seu erro e revogou a norma.
A norma seguinte, Portaria SERES/MEC 531/2023, é quase tão enviesada quanto a anterior. Visa aplicação retroativa, descumpre a decisão do STF e usa uma nota técnica como padrão decisório para aplicar o controverso indicador de densidade médica (número de médicos por 1000 habitantes).
Este indicador, especialmente quando usado de forma isolada, não gera qualquer significado qualitativo e nem mesmo é confiável. Por exemplo, o cálculo do número de médicos por habitantes é feito considerando como um “médico” a atribuição de 40 horas semanais de trabalho a um profissional. Assim, pela metodologia adotada, 400 horas semanais contratadas por um município equivaleriam a 10 médicos. Mas esta é uma comparação inviável em muitas cidades brasileiras. Na cidade de Lages, por exemplo, onde o dado foi usado para indeferir um curso, o município confirmou que os profissionais prestam, em média, mais de 20 horas-extras por semana. Ora, um profissional que atua 60 horas semanais, mesmo merecendo que seu esforço extra seja valorizado, não é equivalente a “um profissional e meio”, ele é, na verdade, um médico sobrecarregado, porque provavelmente faltam profissionais na cidade.
Neste caso, ainda houve outra irregularidade: a avaliação do município em detrimento da região de saúde. Esta irregularidade denota descumprimento da Lei do Mais Médicos e negligência quanto ao princípio da regionalização, que norteia o SUS. Mais uma vez, qual seria o sentido desta avaliação? O que significa a análise do município com base em indicador não confiável? Se trata, portanto, de um número que serve bem ao objetivo de indeferir pedidos de abertura de cursos de medicina.
Por validar inconsistências assim, a Portaria SERES/MEC 531/2023, que ainda está vigente, teve seus efeitos suspensos por recente decisão da Justiça Federal em 25 de julho, que determinou que sua aplicação deve ser expurgada e que não pode ser usada como parte do processo decisório.
Por fim, o ato mais despropositado – se é possível medir a insensatez – foi a revogação de uma portaria de autorização de curso poucos dias depois de sua emissão. Neste caso, sem respeitar o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa o MEC decidiu rever a abertura de um curso que acabou de realizar processo seletivo de alunos. Fez isso alegando que havia uma decisão contrária ao vestibular, mas a decisão já havia sido cassada.
Após questionamento, descobriu-se que o processo administrativo contém argumentos rasos que já haviam sido rejeitados na Justiça Federal de primeira e segunda instância. Por isso, a expectativa é de que ocorra uma nova derrota para o MEC.
Diante desse quadro, parece que desde o final de 2023 existe uma febre para indeferir cursos de medicina. Essa é uma triste metáfora, especialmente quando aplicada a um país que precisa de mais saúde. Mas, aparentemente, os interesses corporativos e o viés estatizante estão unidos para criar uma temperatura febril, fomentando uma avaliação sem sentido. Um caso de captura regulatória, que não atende, de forma alguma, a sociedade brasileira.
* Edgar Jacobs é advogado especializado em direito educacional e sócio do Jacobs Monteiro Advogados
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