SUS e suas variantes

SUS e suas variantes

Eles são públicos, financiados pelo Estado e fundamentais para quem não pode pagar por um serviço de saúde de média e alta complexidade. Estas são apenas algumas semelhanças compartilhadas pelos hospitais do Oeste, Roberto Santos e do Subúrbio, todos localizados na Bahia. Mas uma diferença, muita vezes desconhecida pela população, confere as três unidades características bem particulares: o modelo de gestão.

Referência em procedimentos de áreas como neurocirurgia e nefrologia, o Roberto Santos é o segundo maior hospital de emergência da Bahia, ele é totalmente gerido pelo Estado. O que não acontece com as outras duas unidades. O Hospital do Oeste, em Barreiras, é comandado pelas Obras Sociais Irmã Dulce (OSID), através de uma concessão administrativa firmada pelo governo estadual com a organização social. Já no caso do Hospital do Subúrbio, o acordo foi estabelecido com a Prodal Saúde. A unidade foi à primeira parceria público-privada (PPP) do Brasil, no setor.

Você, que utiliza o Sistema Único de Saúde (SUS), pode até argumentar: Mas o que eu tenho a ver com os modelos escolhidos pelo governo para administrar o hospital da minha cidade? Qual o impacto que isso pode ter no meu atendimento? Bem, as três experiências mostram que o “produto final”, ou seja, o serviço médico que você vai receber, caso precise de um atendimento, varia muito de acordo com o modelo adotado.

Administração direta, PPPs e Organizações Sociais

Primeiro é preciso esclarecer as diferenças. No caso do Hospital Roberto Santos, o governo baiano é responsável por todos os processos administrativos, financeiros e operacionais que mantêm a unidade funcionando, ele administra o estabelecimento diretamente. Em suma, desde a contratação da empresa responsável por fornecer os extintores à compra de um tomógrafo são de responsabilidade do Estado e estes processos estão sujeitos às regras que norteiam a administração pública, ou seja, concursos públicos para contratação de profissionais e licitações para aquisição de equipamentos, por exemplo.

Já no caso dos hospitais terceirizados, o governo contrata uma empresa ou organização social para gerir ou comandar alguns serviços da unidade de saúde, trata-se de uma concessão administrativa. Dependendo do acordo estabelecido, cabe ao prestador operar e equipar o hospital. Ele é submetido a uma série de metas quantitativas e qualitativas que devem assegurar a qualidade do atendimento prestado à população. O Estado pode contratar tanto uma empresa privada, no caso das Parcerias Público-Privadas (PPPs), quanto uma Organização Social (OS).

Para Luiz Eugênio de Souza, doutor em Saúde Pública pela Université de Montréal e professor da Universidade Federal da Bahia (Ufba), não existe um modelo de gestão perfeito, eles são circunstâncias. “Ao meu ver o mais importante nos três modelos é a preservação do caráter público, ou seja, nenhum usuário paga nada para ser atendido nestes três lugares. Outra coisa importante também é a definição das metas, que deve ser feita pelo setor público. A gente pode vê hospitais privados que acabam restringindo (alguns atendimentos). Existem hospitais privados que estão fechando os leitos obstétricos, porque consideram que o parto não é lucrativo. Isso não ocorre em nenhuma destas três modalidades. Nos três casos, o caráter público da prestação de serviço está garantido”, defende.

O problema é que terceirizar um serviço público gera críticas, especialmente de caráter ideológico: “O Estado tem que gerir o seu aparelho, no caso, os hospitais e as unidades de saúde. No meu entendimento, ele tem a obrigação de oferecer o melhor (serviço) possível para a população”, enfatiza o presidente do Sindicato dos Médicos do Estado da Bahia (Sindmed), Francisco Magalhães.

Souza também defende a ideia de que nem tudo deve ser entregue a iniciativa privada: “A terceirização é apenas um dos caminhos. Mesmo que haja a terceirização é fundamental, até para poder contratar as organizações que vão terceirizar, que o Estado detenha competência naquilo que está contratando. Então não seria bom se tudo fosse terceirizado. É importantíssimo que o Estado mantenha sob sua administração direta uma proporção significativa dos serviços. Porque isso vai lhe dar, entre outras coisas, a competência para contratar naquilo em que ele não seja o melhor prestador direto” enfatiza.

Já o secretário estadual de Saúde, Fábio Vilas-Boas, defende o modelo de descentralização da administração e afirma que no caso das parcerias público-privadas não se trata de privatização: “O povo não está preocupado se quem está oferecendo a assistência é um funcionário servidor público, ou se ele é funcionário de uma filantrópica ou de uma empresa privada. Ele quer o serviço bem prestado. E nos modelos tanto de PPPs, quanto de contratação de filantrópicas ou de organizações sociais, o que importa, na verdade, é que eles se ajustem à legislação do SUS e que eles possam ser o mais próximo do SUS obedecendo todas as filosofias do Sistema Único de Saúde”, destaca. Para o ministro da Saúde, Arthur Chioro, a adoção de PPPs pelo setor público  “é uma tendência que deverá ser melhor consolidada no próximos anos”.

 

Benefícios da terceirização

Apesar das discussões sobre a legitimidade ou não da descentralização administrativa, o certo é que os hospitais terceirizados apresentam uma autonomia que traz vários benefícios. Os médicos e funcionários, por exemplo, são contratados pela empresa ou instituição responsável pela gestão, não pelo governo. Por isso, a permanecia nos postos de trabalho depende diretamente do desempenho, já que eles são submetidos ao cumprimento de metas qualitativas e quantitativas. De acordo com Andre Guanaes, superintendente técnico científico do Instituto Sócrates Guanaes, referência na formação de multiprofissionais na área da terapia intensiva e no tratamento humanizado em ambiente hospitalar, outro benefício é a redução no número de contratos: “Dentro de uma unidade de saúde há de 30 a 35 contratos de serviço, com a terceirização da administração você passa a ter apenas um”, diz.

Porém, a principal diferença está mesmo na redução da burocracia para fazer as unidades funcionarem. Quando médicos ou outros profissionais saem de licença-maternidade, por exemplo, o hospital pode contratar servidores temporários para substituí-los, em vez de ficar com o quadro reduzido. Também não é necessário fazer licitação para adquirir materiais. “Nós não precisamos nos basear nos procedimentos da administração pública. Então, se eu preciso comprar uma peça de reposição para um determinado equipamento, eu não tenho necessariamente que abrir um procedimento licitatório. Eu não tenho que me ater a um processo burocrático. E se eu precisar trocar um fornecedor que não está me atendendo bem, isso eu faço com um “estalar de dedos”, relata Jorge Oliveira, presidente da Prodal Saúde, empresa responsável pelo Hospital do Subúrbio.

A rapidez para realizar alguns procedimentos administrativos também é ressaltada por Sérgio Lopes, gestor operacional das unidades externas das OSID. A instituição comanda outras três unidades estaduais, além do Hospital do Oeste: Os hospitais Eurides Sant’anna, em Santa Rita de Cássia, e o Mário Dourado Sobrinho, em Irecê, além da Unidade de Pronto Atendimento (UPA) de Roma, em Salvador. Lopes destaca que a implementação do “tratamento humanizado”, tão característico do modelo filantrópico das Obras Sociais Irmã Dulce, nos quatro estabelecimentos é o que faz a diferença em relação às outras unidades de saúde pública da Bahia.

Para Lopes uma das dificuldades de administrar unidades estaduais diz respeito aos atrasos no repasse de verbas. Segundo ele, quando isso acontece há três maneiras de solucionar o problema: “Um é empréstimo bancário, a custo do prestador. O outro é utilizar os recursos economizados pela instituição e que ficam disponíveis em uma conta do Estado. E na terceira opção, que é mais comum no nosso caso, é que a gente utiliza o dinheiro de nossas doações. Estamos lidando com vidas, se a gente assim não fizer, não tem como tocar as coisas e o hospital não pode parar”.

Quando a macroestrutura não pode ser mudada, o segredo é investir em procedimentos que otimizem o tempo e os recursos humano e financeiro disponíveis. À frente da direção do Roberto Santos a pouco mais de quatro meses, o médico Hugo Ribeiro, já instituiu uma série de mudanças para fazer com que a unidade seja mais bem avaliada pelos usuários. Uma delas foi a classificação, na emergência, dos pacientes de acordo com a gravidade da situação, para que os casos mais graves tenham prioridade.

Porém, segundo ele, um dos grandes problemas é potencializar os serviços prestados: “Meu principal desafio é lidar com a cultura da organização. Há uma expectativa bastante distorcida do que o hospital é capaz de fazer e do que ele acaba fazendo. Existe um descompasso tanto internamente das pessoas, na forma de lidar com a coisa pública abaixo da expectativa do que gostaríamos, quanto da população que também tem uma expectativa, às vezes, muito rebaixada, um grau de exigência muito pequeno das redes hospitalares”, relata.

Luiz Eugênio de Souza também ressalta que o aprimoramento do modelo de gestão terceirizada dos hospitais públicos é apenas um dos caminhos para a melhoria do sistema e para que o governo seja eficaz em garantir o que está previsto no artigo 196 da Constituição Federal de 1988, que coloca a saúde como “um direito de todos e um dever do Estado”.  Mas, para ele, as discussões sobre a importância da não privatização e dos riscos que a terceirização total do setor pode trazer são igualmente relevantes.

 

Bons exemplos

O modelo de PPP do Hospital do Subúrbio tornou-se uma referência no Brasil e no exterior. Em 2012, a unidade foi eleita como uma das 100 iniciativas mais inovadoras do mundo pela KPMG, uma das principais empresas internacionais de consultoria e auditoria. Em abril de 2013, o hospital recebeu o prêmio Parcerias Emergentes, do IFC, o braço financeiro do Banco Mundial, e do Infrastructure Journal como um dos dez melhores projetos de PPP da América Latina e do Caribe. Antes, já recebera um prêmio semelhante da revista World Finance, sediada em Londres.

Este ano ficou em segundo lugar entre os concorrentes da América Latina na categoria “Melhorando a Entrega de Serviços Públicos”, do prêmio concedido pela Organização Nações Unidas (ONU), que reconhece instituições que promovem inovação nos serviços públicos.

Se as melhorias no serviço de saúde não podem ser concebidas sem a participação popular, que tal procurar saber qual o modelo de gestão dos hospitais utilizados por você, caro leitor? Um comparativo pode te ajudar a cobrar do Estado sistemas mais eficazes em construir um SUS com mais qualidade.

Redação Saude no ar .

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